Ver-o-Peso reúne passado e
presente desde 1625
Maior e mais movimentada
feira livre de Belém testemunha de momentos históricos da cidade, é o lugar
onde se encontra uma amostra do universo de variedades que compõem a cultura
paraense que continua viva com um presente inovador.
O Mercado
do Ver-o-Peso é um dos pontos turísticos mais importantes da cidade de Belém. Situado
na confluência dos Rios Guamá e Pará, região conhecida como Baía de Guajará, o
mercado faz parte de um complexo arquitetônico que compreende uma área
de 35 mil metros quadrados, com uma série de construções históricas, entre elas
o Mercado de Ferro, o Mercado da Carne, a Praça do Relógio, a Doca, a Feira do
Açaí, a Ladeira do Castelo e o Solar da Beira. Todo o conjunto arquitetônico e
paisagístico do Ver-o-Peso foi tombado em 1977 pelo
Instituto Histórico e Arquitetônico Nacional (Iphan).
A história
do mercado remonta a 1625, quando foi construído. O nome faz jus às chamadas
Casas do Ver-o-Peso, projetadas no Brasil em 1614, no Rio de Janeiro, para conferir
o peso exato de qualquer mercadoria e cobrar o respectivo imposto. Deixou de
ser casa de conferência de peso em 1839. Anos depois, o Ver-o-Peso sofreu várias
modificações, entre elas a construção do Mercado de Ferro, em torno do qual se
desenvolveu a maior feira livre da cidade. A empresa La Rocque Pinto &
Cia foi a vencedora da concorrência pública (1897) para a construção do Mercado
de Ferro, obra que mede 1.197 metros quadrados, na forma de um dodecágono e cujo o peso é estimado em 1.133.389
toneladas, com estrutura metálica de zinco veille-montaine.
O Mercado
do Ver-o-Peso insere-se, portanto, nas origens da cidade de Belém do Grão Pará,
povoação fundada em 1616 num promontório formado às margens do igarapé de nome
Piri, que desaguava na Baía do Guajará, na desembocadura do Rio Guamá, ponto de
chegada e saída dos barcos e navios que adentravam o majestoso Rio Amazonas ou
levavam as drogas do sertão para além-mar. Dali saiu a frota de Pedro Teixeira (1637)
para estender a Linha de Tordesilhas aos limites atuais do Brasil. Ali aportou,
em 1653, o Padre Antônio Vieira para suas lides missionárias indianistas,
dedicando ao tema cartas e sermões memoráveis.
Oficialmente,
o Ver-o-Peso foi criado para ser um posto fiscal, por solicitação da Câmara de
Belém, passando a chamar-se Lugar de Ver-o-Peso. Tornou-se porto, mercado e
feira até se transformar num importante espaço social, econômico e simbólico da
cidade de Belém. O logradouro, com o decorrer do tempo, solidificou-se como o
mais importante museu vivo de práticas culturais, onde se encontram os bens
simbólicos da alma de Belém, a povoação de origem européia mais antiga da
Amazônia, um elo entre a civilização e a floresta.
A
equipe do Projeto Ver-o-Peso, de Miguel Chikaoka, descreve que o Ver-o-Peso
assistiu, ao longo de todo o século XVIII, às “mudanças urbanísticas que a
cidade sofria, em seu crescimento para a outra margem do igarapé do Piri”. A
conformação cultural do mercado foi sendo impregnada pelas gentes que chegavam:
escravos indígenas dos sertões amazônicos dos Rios Negro, Japurá, Solimões e
Madeira; negros de Angola e Benguela; colonos portugueses vindos da África e da
metrópole, além de comerciantes de escravos e drogas do sertão, missionários,
cientistas e militares. No Ver-o-Peso, ainda no século XVIII, aportaram as
primeiras mudas de café vindas de Caiena, capital da Guiana Francesa, conduzidas
pelas mãos de Francisco de Melo Palheta, as quais mais tarde mudariam a
economia e a história do Brasil.
No
início do século XIX, no governo do Conde dos Arcos, o igarapé do Piri foi
aterrado para atender aos avanços urbanísticos, mas a antiga foz do igarapé foi
transformada numa doca tal como existe até hoje, mantendo-se ali as atividades
do mercado. No final do século XIX, a margem da Baía de Guajará foi aterrada,
transformando a paisagem do Ver-o-Peso: saem os velhos trapiches de madeira e a
praia e entram as docas de pedra de lioz.
Ao
longo do século XIX, muito da história política, econômica e social de Belém
continuou passando pelo Ver-o-Peso. Em 1835, quando estourou a maior revolução
social da região, a Cabanagem, foi ali que os cabanos aportaram antes de cruzar
o caminho até o Palácio para assassinar o governador Lobo de Souza e ocupar o
poder.
Foi
dali também que saíram os primeiros carregamentos de borracha da Amazônia que
mudariam, em plena Revolução Industrial, a indústria de pneumáticos. As
sementes de seringueira levadas para a Malásia, que provocariam mais tarde o
colapso da economia do látex, também saíram do Ver-o-Peso. Atraídos pelo
dinheiro da borracha, imigrantes sírios, libaneses, italianos e judeus
marroquinos incorporaram-se, com seus comércios, à múltipla paisagem humana do
Ver-o-Peso.
No
início do século XX, no auge da riqueza da borracha, a paisagem do Ver-o-Peso
sofreu novas mudanças, com a construção de um mercado na margem da baía,
pré-fabricado em ferro na Inglaterra; a ampliação do antigo mercado de carne
situado nas proximidades; o aterramento da baía; e a construção do porto pelos
ingleses; além de outras construções seguindo um padrão arquitetônico europeu,
de estilo eclético.
No
entorno do Ver-o-Peso, o casario colonial da margem esquerda do antigo Piri
continua lá, emoldurando o conjunto. No espaço aterrado do igarapé, foram construídas
a Praça do Relógio e a Avenida Portugal. Na outra margem, ainda resistem
muitos sobrados margeando o mercado e a feira, construídos no século XIX,
seguindo até à Igreja e Convento das Mercês, monumento de autoria do arquiteto
italiano Antônio Landi, construído no século XVIII. Os monumentos setecentistas
dos Jesuítas e Marcedários integram os limites do que atualmente os urbanistas
de Belém chamam de Complexo Ver-o-Peso, espaço significativo para a identidade
econômica e cultural da cidade de Belém e de toda região.
Enfim,
a maior e mais movimentada feira livre de Belém é o lugar onde se encontra uma
amostra do universo de variedades que compõem a cultura paraense. Mistura o
passado, que continua vivo, com um presente inovador. Na Feira do Açaí, por
exemplo, é possível apreciar o fruto, cuja bebida é a base da alimentação dos
paraenses e desfrutar das comidas típicas, como o pato no tucupi (caldo
retirado da mandioca ralada e fervida) e a maniçoba (espécie de feijoada de
influência indígena, feita com uma erva chamada maniva).
O Complexo
Ver-o-Peso, que se candidata atualmente a Patrimônio Histórico da Humanidade da
Unesco, recebeu recentemente duas grandes reformas. A primeira reforma
aconteceu em 1985, na administração municipal de Almir Gabriel, quando o velho Mercado
de Ferro, com suas torres, colunas e escadas, todas em ferro, forjadas em
Londres e Nova York e montadas no local, foi restaurado. Também o Solar da
Beira, construção em estilo neoclássico, recebeu reformas e foi transformado em
restaurante e espaço cultural da cidade. A Praça do Pescador e a feira livre
também ganharam melhorias e mais beleza com reformas gerais e com a construção
da Praça dos Velames e de barracas padronizadas, sob a batuta do arquiteto
Paulo Fernandes Chaves, então assessor de urbanismo na gestão de Almir
Gabriel.
Em 2001, o mercado passou por
outra grande reforma, na administração do prefeito Edmilson Rodrigues, com a
construção de barracas padronizadas e outras importantes obras em todo o
Complexo Ver-o-Peso, incluindo a Feira do Açaí e a Praça do Pescador. ]
Ao todo
são 26 mil metros quadrados, onde estão instaladas duas mil barracas e casas
comerciais populares onde são vendidos desde carnes, peixes, legumes, frutas,
artigos regionais, artigos de umbanda, ervas medicinais, roupas e bijuterias.
Apesar de parecer um grande varejão, a mistura de cores, cheiros e objetos é
muito interessante, além de folclórica. Mandingas, encantarias e remédios para todos
os males são atrações à parte nessa feira livre. As mandingueiras são mulheres
que vivem de misturar ervas, perfumes e pedaços de animais, criando poções
mágicas. Para elas, qualquer problema tem solução, inclusive para traição,
solidão, atrair bons negócios, espantar mau-olhado e curar doenças.
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