O PODER DAS PLANTAS E ERVAS MEDICINAIS
As gerações antigas da Amazônia
garantem que a vida saudável e a cura dos males podem ser encontradas na
floresta. O tratamento da saúde pelas plantas medicinais é uma prática bem
ancestral, usada desde tempos pré-históricos na medicina popular dos diversos
povos, existindo um grande número de espécies em todo o mundo. Muitas delas,
entretanto, são venenosas ou pelo menos levemente tóxicas, devendo ser usadas com
cuidado e em doses muito pequenas para se obter o efeito desejado.
Diz-se planta medicinal aquela
que contém substâncias bioativas com propriedades terapêuticas, profiláticas ou
paliativas. Na medicina atual, a fitoterapia utiliza muitas espécies do reino
vegetal e estuda suas propriedades nos laboratórios das empresas farmacêuticas,
a fim de isolar as substâncias que lhes conferem qualidades medicinais (princípio
ativo) para produzir novos fármacos. A indústria cosmética também procura na
flora elementos com propriedades regeneradoras para o fabrico de produtos
utilizados na limpeza, conservação ou maquilagem da pele.
Há também aqueles que acreditam
nos poderes sobrenaturais dos vegetais, ou valores a eles agregados por alguma
divindade, sendo certas doenças originadas de distúrbios causados por entidades
místicas, que encontram remédios na puçangaria (pajelança amazônica), que
também faz uso de plantas, sementes e raízes silvestres. A puçanga é uma
medicação mágica receitada pelos pajés, após consulta aos espíritos com quem
trabalham, para curar doenças ou afastar malefícios. A diferença entre os dois casos
é que um tem elementos teológicos agregados e outro é puramente medicinal, mas
ambos frutos do conhecimento empírico das populações tradicionais, parte dele
já assimilado pela ciência médica.
O interesse pelas ervas e plantas
da Amazônia com aplicação nas áreas de saúde e cosméticas tem, aliás, crescido a
cada dia, pois sua exploração comercial torna-se cada vez mais promissora, inclusive
apresentando perspectivas de viabilidade econômica para a região amazônica. Quem
afirma isso é o pesquisador Juan Revilla Cárdenas, doutor em Ciências Biológicas ,
chefe da área de Botânica Econômica do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (Inpa). Ele enfatiza que o segmento tem tudo para crescer e se tornar
uma atividade econômica bem lucrativa para a região, desde que se profissionalize
o setor.
Mas é no uso tradicional que as
qualidades medicinais do reino vegetal amazônico se destacam, conquistando
recentemente o campo científico, como objeto de estudo de importantes entidades
brasileiras, a exemplo do Instituto Butantã, que levou a São Paulo um afrodescendente
do quilombo do Pacoval, em Alenquer, a fim de que ele revelasse em vão o
segredo do poderoso antiofídico que tem salvado vidas neste município paraense.
Os pretos do Pacoval, como são conhecidos os membros da família Assis, têm
realizado verdadeiros milagres com as garrafadas e soros que preparam e que
aprenderam de seus ancestrais escravos, inclusive esse cobiçado soro
antiofídico.
A puçangaria ou a pajelança é um
traço comum em praticamente todos os municípios da Amazônia. Não há cidade ou
povoado que não tenha um curandeiro ou benzedeira capaz de amenizar os males da
população mais carente. Até mesmo os mais abastados da sorte valem-se dos dons
dessas pessoas místicas, quando não encontram guarida na medicina científica,
procurando solução nos remédios da floresta. O próprio Inpa reconhece o
potencial das plantas medicinais da Amazônia, produzindo uma lista de cerca de
300 vegetais nativos e introduzidos, pesquisados e catalogados por seu valor
para as áreas medicinal, fitoterápica, aromática e de cosméticos, dentre as 25
mil espécies mundialmente conhecidas.
A sacaca, andiroba, unha-de-gato,
alfavaca, muirapuama, catuaba, cubiu, camomila, sálvia, aloé-vera, verbena,
altéia, prímula, angélica, alfazema, patchuli, jamborandi, babosa, menta,
alecrim, jojoba, amor-crescido, bonjuá, calêndula, arnica e hamamelis são
algumas das espécies mais utilizadas pela medicina popular amazônica. Há vários
outros grupos de vegetais utilizados além dos fitoterápicos e cosméticos, que
são os de repelentes, inseticidas, corantes, fibras e complementos alimentares.
A medicina da floresta, que está
conquistando os cientistas do mundo inteiro, não é popular apenas para as
comunidades amazônidas, cujas receitas são muitas vezes aprendidas com os
índios e passadas de pai para filho há gerações. Nas feiras e mercados das
cidades, como no Ver-o-Peso, em Belém, e Adolfo Lisboa, em Manaus, existem alas
onde as garrafadas, raízes, cascas e folhas secas das plantas da Amazônia são
vendidas em separado, misturadas ou em pó.
Entre os inumeráveis mestres das
ervas, um desses que fez reinado em determinadas localidades da Amazônia, está
o macapaense Raimundo dos Santos Souza, o popular Sacaca. Como caboclo, desde
criança, aprendeu na comunidade a tratar-se com as ervas tradicionais. Ainda
menino, teve com o pai os primeiros contatos com as plantas, raízes e cipós,
conhecimento ampliado com os pesquisadores estrangeiros que passavam temporadas
no Amapá, estudando os recursos naturais da região.
Menino inteligente, curioso e
dotado de uma memória invejável, teve seus conhecimentos aumentados sobre as
plantas com o decorrer do tempo. Negro, morador do Laguinho, um dos mais
tradicionais bairros de Macapá, pelas suas raízes africanas, construiu fama em
toda a cidade com a alcunha que o consagrou, Sacaca, e pelos bons resultados
alcançados com suas ervas e garrafadas milagrosas. Procurado pela população
macapaense, Sacaca tornou-se a esperança de cura de diversas doenças até que
veio a falecer em 1999.
A morte de Sacaca foi motivo de
luto para toda a população amapaense. Todos o conheciam pela fama de suas
milagrosas ervas ou tinham ouvido falar dele. Seu nome tornou-se lenda e se
encontra registrado no Museu Sacaca, que guarda sua memória e o acervo de suas experiências
acumuladas, que não se perdeu. Sua lista de plantas que curam é enorme e foi
usada não só por ele, como por uma grande quantidade de pessoas de origem
cabocla e indígena.
Conheça o receituário de algumas plantas mais
populares:
Alfavaca (banhos e combate ao resfriado);
Alho (pressão alta, resfriado e gases);
Amor-crescido (tratamento de fígado e queda de cabelo);
Andiroba (massagens em lesões, combate inflamações e males
na garganta);
Arruda (dor-de-cabeça e mau-olhado);
Barbatimão (estômago e inflamação uterina);
Boldo (derrame, fígado e estômago);
Cana-ficha (rins e infecção urinária);
Capim-marinho (calmante e pressão alta);
Catuaba (reumatismo e impotência sexual);
Cheiro-da-mulata (derrame e infarto no miocárdio);
Comida-de-jabuti (pressão alta);
Erva-doce (fígado);
Erva-cidreira (pressão alta e calmante);
Hortelã (gripe, dor-de-cabeça e mal-estar);Hortelãzinho (cólica infantil);
Manjericão (banhos e combate ao resfriado);
Parirí (anemia);
Pata-de-vaca (diabetes);
Pião-branco (combate a asma e cicatrizante);
Pirarucu (anti-inflamatório e vesícula);
Pracaxí (anti-inflamatório);
Quebra-pedra (pedra nos rins);
Sacaca (anticoncepcional, diurético e anti-diabetes);
Sucuúba (anti-inflamatório uterino e gastrite);
Trevo-roxo (dor de ouvido).
Nenhum comentário:
Postar um comentário