Estados
do Carajás e Tapajós: o sonho não findou
Decisão
equivocada do TSE sufocou o direito de emancipação das populações de Carajás e
Tapajós, que votaram Sim (93%) no plebiscito, mas foram vencidas pelo maior
colégio eleitoral do Estado do Pará, a Região Metropolitana de Belém. O resultado rachou definitivamente os paraenses
em três, prometendo novas ações no futuro para acirrar ainda mais o repúdio aos políticos do nordeste do Estado.
O plebiscito paraense ocorrido
em 11 de dezembro último só serviu para confirmar que a população do Estado do
Pará está inexoravelmente dividida em três. Embora os números finais do pleito mostrem
que cerca 66% dos eleitores paraenses se manifestaram contrários à criação dos
estados do Tapajós e Carajás, as propostas de emancipação foram aprovadas nas
áreas a ser desmembras, chegando a mais de 93% a 6%, dos eleitores regionais. O
pior, porém, foi que o baixo nível da campanha eleitoral encetado pelos
políticos da região metropolitana, que antecedeu o pleito e acirrou ainda mais
as divergências seculares da população dos pretensos estados que seriam criados
pelo plebiscito. As regiões perdedoras, insatisfeitas, prometem, entretanto, novas
investidas na luta secular contra o que consideram abandono e marginalização
política e administrativa do Carajás e Tapajós, que se acham vítimas históricas
do colonialismo.
O inusitado, porém, é o
fato de ser essa a primeira vez que uma consulta popular foi usada no país para
servir de base a projetos de divisão territorial de um Estado, tendo como
agravante envolver também no pleito a parte obviamente desinteressada na
divisão, detentora do total de quase 65% dos eleitores paraenses.
Considerada equivocada
e injusta, essa decisão de constitucionalidade do TSE, sobre a da Lei 9.709 de
1998, prevendo a participação de toda a população estadual nos plebiscitos
realizados sobre desmembramentos de territórios, desagradou os separatistas,
pois o colégio eleitoral da área metropolitana supera em dobro da somatória dos
eleitores de Carajás e Tapajós. Os 17% do território
paraense, pretensamente destinado ao Novo Pará, ficaram com 64 %
do eleitorado do Estado,
decidindo sobre 16% do Tapajós
e 20% do Carajás, números percentuais do total dos paraenses que tiveram
direito a voto no plebiscito.
Não foi assim no Mato Grosso
do Sul, Tocantins, Rondônia, Roraima. Acre a Amapá, que se emanciparam por leis
complementares do Congresso Nacional, decisões hoje consideradas acertos de
duração permanente, divisão que levaram melhorias a populações antes
desassistidas pelos serviços públicos e aceleraram o desenvolvimento econômico
e social dos territórios desmembrados. Em contrapartida, não houve qualquer
esvaziamento econômico, social ou político dos estados criados, nem dos quais
foram desmembrados, citando exemplos no Mato Grosso e Goiás (que deu origem ao
Estado do Tocantins, que criou Palmas e se tornou um grande pólo de atração de
indústrias e serviços). A criação dos antigos Territórios Federais, que foram
subtraídos de outras unidades federativas, também não prejudicou os
estados-origem e trouxe prosperidade às regiões emancipadas, como Acre, Amapá,
Rondônia e Roraima, antes municípios totalmente esquecidos, despovoados e
miseráveis.
Além de aumentar a
correlação de força política da Amazônia no Congresso Nacional, as divisões geraram
lideranças de grande expressão na República brasileira e repartem melhor o bolo
da arrecadação do País, além de diminuir as desigualdades regionais. Por outro
lado, o gigantesco Pará (1,24 milhão de km²) equivale atualmente a quatro
Itálias, sendo maior do que a maioria dos países do mundo. É também campeão em
conflitos sociais e péssimos indicadores de desenvolvimento humano, sendo vítima
de corrupção, desmatamentos, banditismo e crimes políticos, refletindo assim que
a atual estrutura de governo do Estado é incapaz e cheia de fracassos
administrativos. Além da imensa dimensão territorial e pouca mobilidade
administrativa, a centralização do poder no nordeste do Estado gera abandono,
injustiças e insatisfação no interior, aumentando ainda mais as mazelas e
desigualdades regionais.
Diferentes da região
metropolitana, Carajás e Tapajós já nasceram sobre terras férteis para a
agricultura, ricas para a mineração e amplas para a criação de gado,
diferencial que promete melhor desenvolvimento com administrações mais próximas
da população local, para preencher o atual vácuo administrativo. Diante dessas
perspectivas e das insatisfações regionais ao longo da história nasceram o
desejo de emancipação de Carajás e Tapajós. Quem conhece a história e é
honesto, também sabe que essa luta não nasceu com os políticos atuais dessas
regiões, como apregoam seus adversários. Pelo contrário, ela é secular e
reflete não apenas as contradições e injustiças sociais, mas, sobretudo, as
desigualdades culturais e econômicas entre as regiões produtoras paraenses e a
metrópole administrativa. Não morreram os cabanos por sonhar separar a Amazônia
do Brasil Imperial?
O movimento de
emancipação do Carajás, por exemplo, data do século XIX, quando os moradores
situados ao longo dos rios Araguaia e Tocantins, no sul do Pará, queixavam-se
de desassistência da então província do Grão-Pará e declaravam-se mais afinados
com os estados de Goiás ou Maranhão. Em 1908, o advogado provisionado João
Parsondas de Carvalho levou ao governo de Goiás a proposta de vincular a ele os
municípios de Marabá, Conceição do Araguaia e São João do Araguaia. Anos
depois, em 1949, o brigadeiro Lysias Augusto Rodrigues apresentou ao presidente
Getúlio Vargas uma proposta de desmembramento de parte do norte de Goiás, sul
do Maranhão e do sudeste do Pará, para formar a unidade federativa chamada
Tocantins, com a capital em Marabá.
Durante a Ditadura de
1964, a presença de guerrilheiros do PCdoB e de militares no sudeste do Pará
fez renascer o movimento de emancipação desta região paraense, desejo
fortalecido com a criação dos estados do Mato Grosso do Sul e Tocantins, criados
respectivamente nos anos 1973 e 1988. Somente em 1992 que esse ideal foi
materializado em projeto legislativo apresentado pelo deputado Giovanni Queiroz,
que propunha a realização de plebiscito nos municípios que compõem a área do pretenso
Estado do Carajás. O projeto foi aprovando no mesmo ano, mas o plebiscito não
foi realizado porque o Congresso não se manifestou a respeito dele até maio de
1995. Dois anos depois, o senador Leomar Quintanilha voltou a propor o plebiscito
e o projeto tramitou em todas as comissões, inclusive no plenário do Senado em
dezembro de 2009, referendado em 5 de maio de 2011 pelo Congresso Nacional, que
autorizou o plebiscito conjuntamente com o da criação do Estado do Tapajós.
A população do oeste
paraense, envolvendo o Tapajós, Baixo e Médio Amazonas, descendente da grande
nação Tapaiu, tem mais identidade cultural e raiz regional do que as demais
regiões paraense, além de ter maior credibilidade por sua luta pela emancipação
administrativa encetada há 188 anos, sendo proposta na Assembléia Constituinte
de 1823. Sua vocação por autonomia, entretanto, remonta a 1754, quando o então
governador do Grão-Pará e Maranhão, Mendonça Furtado, irmão do Marquês de
Pombal, vislumbrou esta região como um território independente, tendo como
cidade-sede Santarém, uma espécie de capital regional. Na época, a Amazônia foi
pensada em três províncias, a do Grão-Pará (Belém), a de Santarém e a do Rio Negro
(Manaus).
Em 1876, o Coronel
Augusto Fausto de Souza propôs o Tapajós como uma das 40 províncias do Brasil
imperial, para garantir a soberania brasileira na Amazônia e impulsionar o
desenvolvimento do Norte do país. Aliás, historicamente, os paraenses do
interior sempre se sentiram distantes de Belém, em especial os da parte oeste
do Estado, onde a Cabanagem, revolução autenticamente popular que lutou pela
independência da Amazônia, teve suas ultimas e mais sangrentas batalhas contra
a armada imperial apoiada pelos ingleses, entre 1835 e 1837. Essa luta fez o Pará
passar por uma experiência desastrosa, ceifando milhares de vidas caboclas,
malvestidas e moradoras em cabanas, cruelmente assassinadas por desejarem
autonomia política e administrativa para a sua região.
Em todas as ocasiões em
que se propôs a reorganização política do Brasil, a criação do Tapajós como uma
unidade federativa brasileira foi proposta, sendo transformado em projeto na
maioria deles. Pelo atual projeto de criação dos novos estados, o Tapajós
ocuparia 58% do atual território paraense e teria 27 municípios,
enquanto Carajás teria 25% do Pará com 39 cidades.
O Pará ficaria então com 17% do território do Estado do Pará, ordem inversa e
desproporcional em seu colégio eleitoral, fato que refletiu no resultado do
plebiscito. As duas regiões separatistas se sentem marginalizadas e
desassistidas pelo governo do Pará, sendo culturalmente pouco identificada com
a atual região metropolitana, principalmente a parte sudeste do Estado. Carajás
e Tapajós também têm pouco em comum entre si, cujos separatismos são muito
diferenciados entre si, tanto no conteúdo quanto na história.
Antes da descoberta do
ouro que ganhou manchete mundial na década de 1970 para região do rio Tapajós,
os deputados Elias Pinto e Ronaldo Campos muito pugnaram pela criação do Estado
do Baixo-Amazonas, região que também abrangia Parintins e parte do Amazonas. Na
Constituinte de 1988, que criou os estados do Tocantins, Roraima e Rondônia, os
deputados Benedicto Monteiro, Paulo Roberto Matos e Gabriel Guerreiro propuseram
a criação do Estado do Tapajós, mas a retiraram em acordo com o governador
Helio Gueiros, deixando em seu lugar a convocação de uma Comissão de Estudos
Territoriais para avaliar novas unidades federativas, inclusive o Tapajós. Em 1990,
comissão do Congresso Nacional recomenda a criação do Tapajós, o único a
atender todos os critérios estabelecidos. No ano seguinte, o deputado Federal Hilário
Coimbra propôs plebiscito da emancipação política e econômica para região do
Tapajós, proposta reforçada por 17 mil pessoas, que em 1992 apresentam emenda
popular através da Frente Popular pela criação do Tapajós. Em 2000, o Senador
Mozarildo Cavalcanti aprova na CCJ e n plenário do Senado a criação do Estado
do Tapajós, projeto que também passou na CCJ da Câmara Federal (2001), aguardando
10 anos pauta para votação pela Plenária.
A
negação plebiscitária da criação de novos estados em território paraense
reflete um dos problemas célebres da Filosofia do Direito, que é chamado o da
lei injusta. É quando o dever do juiz cabe aplicá-la, mesmo sabendo que comete
uma injustiça com as pessoas envolvidas. Não foi diferente o TSE determinar que
a maioria (64% do eleitorado paraense) reconhecida determinasse o destino das
minorias (16 e 20%). Contudo, se os estados do Carajás e Tapajós ainda não
existem de direito, existem de fato desde o período da Cabanagem, porque
representam a mesma revolta contra a marginalização e o mesmo anseio de
independência administrativa, que não morreram com o resultado.
Muitos brasileiros,
principalmente a maioria política nacional não conhece a região norte deste
país e não sabem que esses ideais de emancipação nasceram há mais de um século
e que não exigem nada mais do que os direitos além dos necessários. Os
apologistas do Carajás e Tapajós só querem agora a Certidão de Nascimento de
seus estados para exercer suas cidadanias. Por outro lado, essas unidades
federativas não querem mendigar recursos federais para nascerem oficialmente,
até mesmo porque já se mantêm historicamente sem a bênção dos governos.
Diferente do que apregoam por ai, como interesse político ou oportunismo, os
novos estados só trarão benefícios para o país, proporcionando mais vigilância
e soberania para a Amazônia, desenvolvendo também o interior dessas regiões
esquecidas pelos governos.
Mais do que um projeto
político, a criação dessas novas unidades federativas nas regiões oeste e
sudeste paraense é um importante projeto de inclusão sócio-econômico, trazendo desenvolvimento
estratégico de segurança nacional para o Norte do País, sendo o Brasil o grande
perdedor do plebiscito.
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