Acre,
a conquista da última fronteira brasileira
O Acre foi a última área a integrar-se ao
patrimônio nacional. Os acreanos foram à luta para conservar o território que
haviam desbravado, tornando-o produtivo pela exploração da borracha. Além do
sangue derramado, o solo acreano custou terras do Mato Grosso, a construção da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, dois milhões de libras esterlinas e outras
concessões favoráveis à Bolívia.
A minissérie “Amazônia, de Galvez a
Chico Mendes”, exibida pela Rede Globo, trouxe à tona dois importantes
temas da região amazônica: o período áureo da borracha e a anexação do Acre ao
território nacional. A minissérie escrita por Glória Perez mistura aventura, romance e história na trama que começa nos idos de
1899, abordando três fases distintas da região, até os anos 80 do século XX.
A locação não poderia ser mais
bonita, a Amazônia, com seus sinuosos rios e românticos navios-gaiolas que
preenchem a sua belíssima paisagem, além da oportunidade para se conhecer o
majestoso Teatro Amazonas, fruto do auge da borracha e símbolo do período de
riqueza que o seringueiro construiu no coração da floresta. Os protagonistas da
história são os mesmos da vida real, com pitadas de ficção e muito glamour.
Entre a ficção e a realidade, a
minissérie coloca a Amazônia na vitrina, mostrando a sua face praticamente
desconhecida do resto do Brasil. Quem ganha com isso é o Estado do Amazonas e,
em especial, o Acre, a última fronteira conquistada na Região, cujo enredo
baseia-se nas obras “Terra Caída”, de José Potyguara da Frota e Silva, e “O
Seringal”, de Miguel Ferreante, que abordam o processo perverso de escravidão e
as práticas da “política dos barracões” e do coronelismo do século passado,
quiçá ainda perdurando até os nossos dias.
O Acre foi disputado por ter uma alta produtividade de borracha da
melhor qualidade e por abrigar um grande contingente de brasileiros em suas
terras. A região pertencia oficialmente à Bolívia, mas foi povoada por
brasileiros. A situação foi ao ponto de fazer a Bolívia arrendar o Acre para um
consórcio de capitalistas estrangeiros. Isso gerou uma reação nativista, a
Revolução Acreana, que explica um pouco por que dizemos que essa é a história
de como a Amazônia se tornou brasileira.
O índio já conhecia a borracha, que era usada por eles de maneira lúdica
na fabricação de bolas para diversão e de utensílios diversos. Não havia o
cultivo racional e contínuo do látex como uma força econômica. A seringueira
era apenas uma das árvores que eles conheciam. Somente após 1839, ano em que Charles Goodyear
aperfeiçoou o processo de vulcanização, é que houve um significativo aumento na
demanda da borracha. Foi quando ela ganha importância e passa a ser a principal
matéria-prima da Revolução Industrial. O produto vulcanizado, resistente ao
calor e ao frio, era apropriado para uma ampla gama de industrializados, desde
rodas dentadas, correias, mangueiras e telhas, crescendo posteriormente com a
indústria automobilística.
Por ser o hábitat da Hevea brasiliensis,
a Amazônia foi o único fornecedor até a década de 1880 e ainda na virada do
século, a produção amazônica de borracha de alta qualidade excedia em muito a
de seu concorrente mais próximo, a África Ocidental. Apenas depois de 1912, com
a aclimatação bem-sucedida da hévea, é que as plantações asiáticas arrebataram
da Amazônia a posição de primeiro produtor mundial. Assim, por mais de sessenta
anos, a indústria dos produtos de borracha, setor chave do crescimento
econômico das nações industrializadas, recebia toda ou a maior parte de sua
matéria-prima da região amazônica.
Isso também gerou muita cobiça e muita disputa e explica o fato de 500
mil pessoas terem deixado o Nordeste brasileiro, tão castigado por sucessivas
secas, para adentrar a Amazônia em busca da borracha, causa e atração principal
de massas humanas que, a partir de 1877, invadiram os rios e matas do Acre.
Os rios da borracha da Amazônia se encontravam na região de Breves e
Anajás (Ilha de Marajó), Jarí, Xingu, Tapajós,Madeira, Purus e Javari, que
foram os impérios da produção da borracha até 1914. O Acre era, então, a
verdadeira pérola negra da Amazônia, tendo em vista que as bolas de borracha
escureciam com o tempo.
O território acreano despertou interesse dos bolivianos a partir da
descoberta da borracha. O coronel José Manoel Pando, que chefiara em La Paz um golpe militar
contra o presidente Anicete Arce, veio espiar o Acre, depois de exilar-se em
território brasileiro. Viu no rio Acre um panorama que não lhe agradou. Mediu
distâncias, fez cálculos e previu que o território pertencia à Bolívia. Pando
se tornou presidente da Bolívia e durante seu governo foi responsável pelos
fatos decisivos do conflito brasileiro-boliviano, culminando com a paz do
Tratado de Petrópolis, quando o Acre virou totalmente boliviano. No Brasil,
entretanto, surgiram protestos: os demarcadores da cartografia do Javari confirmaram
que a nascente do rio estava mais ao sul, o que significava ganho de terras
acreanas para o Brasil.
O ministro boliviano José Paravicini foi ao Acre e fundou o povoado
Puerto Alonso (atual Rio Branco), e lá estabeleceu uma alfândega em janeiro de
1899. Desse momento em diante começaram as reações armadas dos acreanos contra
a presença da Bolívia na região. Paravicini baixou decretos de regulamentação
de justiça, de terra e de navegação. Os seringueiros acreanos sentiam-se
atingidos em seus interesses e até em sua integridade física com essas medidas,
mas receberam estímulo para a resistência do governo do Estado do Amazonas, o
que não demorou a deflagrar a rebelião.
Em 1º de maio de 1899, o advogado cearense José Carvalho, secretário da
Prefeitura Municipal de Floriano Peixoto (Estado do Amazonas), acompanhado de
proprietários de seringais, exigiu dos bolivianos sua retirada, que em minoria,
nada puderam fazer senão abandonar o Acre, tomando o primeiro navio-gaiola para
Manaus. Nenhuma autoridade boliviana permaneceu, então, no Acre.
O espanhol Dom Luiz Galvez Rodrigues de Arias, atraído à Amazônia pela
borracha, inicia contato com agentes do governador Ramalho Júnior, aos quais
expõe seus planos de ir ao Acre, à frente de uma expedição, para assegurar a
presença do Amazonas, portanto, do Brasil, naquela região. Havia suspeitas de
um acordo recente entre a Bolívia e os Estados Unidos, com o objetivo de
assegurar o domínio boliviano no Acre. Os Estados Unidos, prestando auxílio,
receberiam concessões alfandegárias nos rios Acre, Purus e Yaco. Luiz Galvez escreveu
reportagem nos jornais A Província do Pará, de Belém, e no Comércio do
Amazonas, de Manaus, denunciando o suposto acordo.
O governador Ramalho Júnior prestou toda a ajuda à expedição de Galvez,
que chegou ao Acre com seu grupo no dia 4 de junho de 1899, a bordo do navio-gaiola
Cidade do Pará. No mesmo lugar, Puerto Alonso, onde os bolivianos foram
depostos, a 1º de maio, por José Carvalho, o espanhol Luiz Galvez Rodrigues de
Arias proclama a República do Acre, em 14 de julho de 1899.
Galvez organiza ministérios, remete comunicações em francês aos países
importantes do mundo, lança proclamações patrióticas e executa obras públicas.
Propõe organizar e manter o Acre dentro de boa fidelidade brasileira, mas
independente, e, depois, entregá-lo ao Brasil. O governador Ramalho Júnior,
entretanto, nega ao Governo Federal qualquer ingerência do governo amazonense
nos sucessos acreanos, pois para ele seria importante ganhar tempo. A
consciência nacional despertava a favor dos brasileiros no Acre e uma solução
tinha que ser salvadora dos interesses do Estado do Amazonas na região acreana.
O presidente Campo Sales manteve inflexível a política de considerar o
Acre boliviano, à luz do Tratado de Ayacucho e deu ordens ao seu ministro do
Exterior, Olinto de Magalhães, para coordenar com os ministros da Marinha e da
Guerra, a ida ao Rio Acre de uma força naval que extinguiu pacificamente a
República do Acre, a 15 de março de 1900.
Luiz Galvez desceu o rio a bordo do navio-de-guerra Tocantins. De Belém
seguiu para Recife e de lá se transferiu para a Europa. Mas sua atuação no Acre
foi positiva, pois teve a intuição certa de desempenhar um papel histórico e
comportamento lúcido: sua aventura no Acre veio estimular a opinião pública
nacional a fazer o movimento de solidariedade aos brasileiros que lutavam por
aquele território.
As forças da Bolívia, depois de combates esparsos com acreanos através
do rio, concentraram-se em
Puerto Acre. De Manaus chegou veio reforços contra os
bolivianos. O jornalista Orlando Lopes, intelectuais e boêmios de Manaus
organizaram uma expedição para expulsar os bolivianos e retomar o Acre, contando
com o apoio velado do governador do Amazonas, Silvério Néri, que forneceu
secretamente armas, munições, suprimentos e alguns dos homens da Polícia Militar
do Estado. A investida não logrou êxito por falta de experiência militar, sendo
o levante intelectual derrotado.
A Bolívia se consolidou com essa vitória e manteve a sua presença no
Acre por algum tempo a mais, que fez o governo brasileiro pensar que a questão
estava encerrada. Ato contínuo, a Bolívia arrendou o Acre para os
norte-americanos do Bolivian Syndicate, dando ao sindicato o poder de explorar
as terras do Acre e ocupá-las militarmente durante 30 anos.
Começa, então, o movimento armado contra a Bolívia, liderado por Plácido
de Castro e bancado pelos seringalistas da região. Vencida a guerra, a
diplomacia brasileira entrou em ação, incorporando o Acre definitivamente ao
Brasil, através do Tratado de Petrópolis. A 27 de janeiro de 1903, o presidente
aclamado, Plácido de Castro, assiste ao desfile de suas tropas e assina os
primeiros decretos de constituição do Governo.
O período agudo da chamada Revolução Acreana, que vai de 6 de agosto
(eclosão do movimento, em Xapuri) a 24 de janeiro (queda de Puerto Acre),
assinala também um período de mudanças políticas e administrativas no Brasil. A
15 de novembro de 1902, o presidente Campos Sales transmite o poder ao nono
presidente brasileiro, conselheiro Rodrigues Alves, que escolhe o Barão do Rio
Branco como ministro do Exterior, que mantinha antiga preocupação em resolver a
questão acreana. Sua providência imediata foi afastar o Bolivian Syndicate da
região, encarregando a casa bancária Rothschild para a negociação com o
sindicato, a fim de desistir do contrato mediante compensação financeira a
cargo do governo brasileiro.
Em menos de 60 dias foi assinado em Nova Iorque (26 de
fevereiro de 1903) a escritura de renúncia do Sindicato, mediante a quantia de 110
mil libras esterlinas. Assim, o Governo Federal mandou ao Acre o general
Olímpio da Silveira, com efetivos do Exército, para ocupar essa faixa do
território, objetivando evitar novos conflito na região e adquirir condições
políticas para negociar com a Bolívia.
O Tratado de Petrópolis, assinado a 17 de novembro de 1903, conquistou
lugar considerável na história diplomática brasileira e incorporou ao
território nacional 181 mil quilômetros quadrados de terra. A Bolívia, em
troca, recebeu terras brasileiras devolutas no Estado de Mato Grosso e espaços
em lagoas fronteiriças, além da construção da Estrada de Ferro Madeira-Marmoré
para servir de escoamento à produção da parte oriental da Bolívia. O Brasil
também concedeu liberdade de trânsito nos rios amazônicos e facilidades
aduaneiras, mais o pagamento de dois milhões de libras esterlinas aos
bolivianos.
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