A triste sina dos nossos castanhais
APOCALIPSE NOW
(Apolonildo
Britto)
Canta moto-serra um réquiem fatal!
Cai ferida de morte
A castanheira amiga.
Ouve-se no espaço o estrondo infernal.
É a mata que ruge,
É o lenho que queima
É a vida que arde
No afã do progresso!
É o espanto geral
Da natureza que agoniza.
Correm os bichos espavoridos,
Desmaiam os vegetais diante da fornalha
E até mesmo o homem que semeia o ódio,
Treme. Treme diante da sanha da mortalha.
E as castanheiras, tão nobres criaturas,
Vão sumindo devagar, devagarzinho:
Uma a uma como pétalas de rosa
Que o vento desfaz, perfumando o ar.
Do velório da Amazônia devastada e vazia,
Vazia de vida, vazia de amor...
A castanheira (árvore da família
das Lecythidáceas) é uma das mais
nobres e generosas das árvores da Amazônia. Seu belo porte, seu talhe esbelto,
sua frondosa copa verdejante e seu delicioso fruto dão-lhe qualidades
excepcionais, além de ser uma das maiores árvores da América do Sul, chegando a
50 metros
de altura. A maioria das castanheiras pode chegar até à idade estimada entre
800 e 1.200 anos, produzindo ouriço (fruto) com aproximadamente um quilo, que
pode conter até 24 sementes ou amêndoas também conhecidas como castanha-do-brasil,
castanha-da-amazônia, castanha-do-maranhão, castanha-do-rio-negro, tocari,
tururi, cari, juviá ou amendoeira-da-américa.
Essa espécie vegetal foi descrita
pela primeira vez pelos cientistas Humboldt e Bompland, com 11 gêneros e 118
espécies. O naturalista Meiers identificou mais tarde duas de suas espécies na
Amazônia: a Excelsa e Nobilis. Seu fruto é muito rico em
gorduras e proteínas, considerada verdadeira “carne vegetal”, uma vez que a
proteína de duas amêndoas equivale à de um ovo de galinha, além de prevenir
cardiomiopatia e melhorar o sistema imunológico e possuir o selênio, mineral
anticancerígeno e antioxidante. Além de selênio, a amêndoa possui cálcio,
fósforo, magnésio, potássio, cobre e vitaminas A, B1, B2 e C, além de
proteínas.
Conhecida internacionalmente como
Brasil Nuts, por ser praticamente exclusiva do Brasil, em que pese a sua ocorrência
na Bolívia e Peru, a castanha-do-pará tem ouriço de casca lenhosa, muito dura,
contendo amêndoas graúdas envoltas por casca lenhosa fina, pouco resistente. O
fruto é esférico, de 11cm a 14cm de diâmetro, com peso variável entre 700g e
1500g. É comestível, muito saborosa e de elevado valor alimentício.
A castanha-do-pará é muito usada
para a confecção de confeitos, recheios, coberturas de bolos, além de doces
diversos, óleo, farinha e outros semiprodutos. Quando fresca, fornece o leite
para preparação de vários pratos típicos da cozinha amazônica, apreciada no
mundo inteiro. As castanhas sem casca são obtidas quebrando-a manualmente e
podem ser vendidas com ou sem película. Devido ao formato irregular, cerca de
10% dela se perdem, reduzindo em 40% o seu valor comercial, bem como parte da
produção na forma de subprodutos, alternativa do aproveitamento desta
matéria-prima de alto valor agro-industrial.
A floração da castanha-do-pará
ocorre de dezembro a março, coincidindo com o período de maior índice
pluviométrico das regiões extrativistas. A frutificação acontece o ano todo, mas
é entre janeiro e março que ocorre a maior disseminação dos frutos, quando se
intensifica a coleta ou safra finda em junho.
A espécie é considerada caducifólia, pois apresenta queda
total das folhas. Estudos atestam que a floração acontece em mais da metade dos
indivíduos da população, registrando alternância entre os anos com 80% dos
indivíduos florescendo e frutificando, sendo que, desde 1992 há queda acentuada
na produção dos frutos. Existe quem diga até que a castanha-do-pará corre risco
de desaparecer, fenômeno não muito aceito pela maioria das instituições e
cientistas que pesquisam o vegetal.
Pródiga em todos os sentidos, da castanha-do-pará
tudo se aproveita: o ouriço serve como combustível ou para confecção de
objetos, inclusive artesanal, mas o seu maior valor está na amêndoa, rico
alimento em proteínas, lipídios e vitaminas, podendo ser consumida in natura ou beneficiada ou então usada
para extração de óleos diversos; do resíduo da extração do óleo obtém-se torta
ou farelo usado como mistura em farinhas ou rações; o leite de castanha é de
grande valor na culinária regional. A castanha também possui boas propriedades
industriais. É usada no fabrico de sabão e sabonete. A madeira é indicada para
construção civil interna leve, tábuas para assoalhos e paredes, painéis
decorativos, forros, fabricação de compensados e embalagens. Ainda serve na
construção naval e é indicada para reflorestamento.
As amêndoas com casca podem ser
vendidas desidratadas ou semidesidratadas ou ainda a granel. O consumo do
produto é feito de forma in natura ou
através de derivados como biscoitos, farinha, paçoca, óleos, doces,
leite-de-castanha ou sorvete.
A castanha-do-pará,
que o brasileiro consome com mais freqüência nas festas de fim-de-ano, é
recomendada pelos oncologistas que estudam a incidência do câncer em fumantes. Foi citada
favoravelmente em trabalhos divulgados pela Associação Americana para Pesquisa
sobre o Câncer (AACR), com medição da presença de
selênio em mais de 120 mil homens e mulheres holandeses, incluindo 431 com
câncer de bexiga.
O Laboratório de Nutrição-Mineral
da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP constatou que a castanha-do-pará
é um eficiente suplemento alimentar capaz de suprir a necessidade diária de
selênio, mineral que evita a propagação do câncer e diminui sua incidência,
prevenindo cardiomiopatias e melhorando o sistema imunológico. O selênio também
atua no equilíbrio do hormônio ativo da tireóide, reduz a toxidade de metais
pesados e age como antioxidante, protegendo o organismo contra os danos
provocados pelos radicais livres.
A pesquisadora Silvia Cozzolino também
recomenda que sejam ingeridos alimentos com maior concentração de selênio, como
alimentos marinhos — peixes, moluscos, alimentos de origem animal — carnes e
aves, e alguns cereais (o trigo) e, principalmente as nozes, em especial as
castanhas-do-pará.
Histórico – O
nome do pródigo vegetal tem sido recentemente polemizado por interesses ou
ciúmes regionais, mas prevalece o de castanha-do-pará, adotado há séculos,
quando a sua produção estendia-se por toda a então Província do Grão-Pará, hoje
diluída pelos estados da Amazônia. As enciclopédias também grafam o produto
como castanha-do-pará.
Houve época em que as lecitidáceas
dominaram a economia e as exportações da Amazônia, em especial do Pará,
Amazonas e Acre, onde, além de amenizar o colapso da produção da borracha, as
safras anuais serviam de apoio à agricultura e pecuária ainda incipientes,
mesmo quando os especuladores aviltavam os preços, vendiam mercadorias por
valores exorbitantes e ainda enganavam os castanheiros na medida do produto. Em
Marabá, por exemplo, há versões que havia três tipos de hectolitro (unidade de
medida da castanha): o de comprar (maior), o de vender (evidentemente menor) e
o de ser aferido pela fiscalização (o único metricamente correto).
Sua importância econômica foi
tamanha que gerou verdadeiros “barões da castanha”, como o poderoso coronel
José Júlio de Andrade que se tornou senador vitalício pelo Pará, na antiga
República, e amealhou milhões de hectares de terras na região dos rios Jari e
Paru e foz do Xingu. Zé Júlio era senhor da vida e da morte nestas terras
paraenses e ficou famoso pela prática da famigerada “política dos barracões”.
Ele também é lembrado pelo temível “Paga Promessa”, local que serviu de túmulo
a centenas de pobres trabalhadores na fazenda Arumanduba, sede do seu império na
foz do rio Jari, próximo à cidade de Almeirim (PA).
Mais recentemente, a família
Mutran dominou os castanhais do Município de Marabá, no sul do Pará, o mesmo acontecendo
com outras oligarquias dos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e oeste do Pará.
Durante décadas, concessões de vastas áreas de terras devolutas de castanhais
serviram de barganha política na Amazônia, mantendo o status quo e gerando os conhecidos “coronéis de barranco” que se mantiveram
no poder até há bem pouco tempo, quando a produção decaiu com a chegada dos
tratores e moto-serras à região, além de outros fatores de ordem econômica.
Na verdade, o extrativismo da
castanha conseguiu sobreviver a vários ciclos econômicos, inclusive ao da
borracha, gerando latifúndios, fortunas e poder a poucos privilegiados que
usufruíram deste então promissor mercado em detrimento de gerações de
castanheiros sempre miseráveis e sofridos. Nos primórdios, depois de
contratados e “aviados”, os castanheiros eram levados ao longo dos rios e
igarapés da floresta amazônica, onde ficavam de dois a três homens, conforme a
densidade do castanhal. Construíam o seu tapiri e se embrenhavam mata adentro
com seus parceiros, para a coleta do fruto, até que chegavam, em prazo
combinado, quando uma ou mais embarcações vinham para a coleta da castanha
cortada e desciam o rio com o produto, empurradas por varas, forquilhas e
ganchos até aos portos de embarques.
Com o tempo e o desenvolvimento
da indústria da castanha, a demanda aumentou, multiplicando-se o número de
homens na sua coleta, os quais foram penetrando nas matas até a um ponto em que
se tornou impossível o transporte nas costas dos castanheiros. Daí apareceu o
transporte em tropas de burros, o que permitiu a ampliação da produção com
menor esforço do castanheiro. Mesmo assim, sua vida não mudou, posto que sempre
ficar preso à política dos barracões.
Contudo, os projetos
agropecuários e madeireiros no Acre, Pará e Rondônia foram devastadores para os
imensos castanhais da região. A principal razão do declínio da produção da
castanha-do-pará é a queimada, pois a fumaça que permanece durante semanas rente
ao solo prejudica a floração normal das castanheiras e também a produção dos
besouros e abelhas que fazem a polinização das flores. Uma última razão é o simples
envelhecimento ou o abate de castanheiras. Para se ter uma idéia dos abates, no
outrora chamado Polígono dos Castanhais, no sul do Pará, hoje a paisagem é de
pastagem e tomada por colonos e fazendeiros que disseminaram queimadas e
desmatamentos sem precedentes, transformando-o em “cemitério de castanheiras”.
Apesar do seu declínio, a castanha
ainda ocupa lugar de destaque na pauta das exportações de produtos da floresta
amazônica, mas isto não esconde o fato de que a produção cai a cada ano e dá
agora a primazia da exportação mundial do produto à Bolívia.
Políticas Sustentáveis
A revista científica Science inclui outras ameaças à
castanha-do-pará, como a coleta excessiva nas florestas, que geram poucas novas
árvores e comprometem o futuro da espécie. A revista estudou 23 grupos de
castanheiras na floresta amazônica, no Brasil, Bolívia e Peru, onde existem
poucas árvores jovens, o que sugere que o ciclo de renovação da espécie foi
interrompido pela exploração intensiva dos castanhais, mas recomenda o uso do
manejo sustentável para evitar o colapso a longo prazo.
A publicação diz ainda que as plantas
originárias de viveiros ou sementes germinadas a partir do processo natural de
dispersão, demorariam várias décadas até que pudessem substituir árvores que
hoje são velhas e que caracterizam os castanhais persistentes explorados. Mas
ressalva que pesquisas do melhoramento genético e germinação, que estão à
procura de variedades mais precoces e técnicas mais aprimoradas de manejo e
cultivo desta espécie, podem apresentar alternativas.
O pesquisador e fotógrafo David
Mangurian diz que uma das formas de preservar as florestas tropicais é colocar
no mercado os produtos que são naturais delas, gerando assim renda e empregos
para os moradores locais e reduzindo o incentivo para cortar árvores. Nesta
direção, discute-se ainda o manejo sustentável da produção da castanha, através
de cooperativas e associações extrativistas nas regiões produtoras.
A agregação de valor a esse fruto
e sua utilização sem a devastação da floresta têm sido tema e sonho de todo
brasileiro que realmente se importa com o maior patrimônio: a Amazônia. Desde
1965, durante na sua primeira gestão como governador do Amapá, o hoje senador
João Alberto Capiberibe defende o equilíbrio entre produção e preservação,
tendo como eixo principal o desenvolvimento de atividades econômicas florestais
madeireiras e não-madeireiras a partir de organização de cooperativas de
castanheiros, para industrializar e transformar a castanha em óleos, farinhas e
biscoitos.
Quando governador, Capiberibe
criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no oeste do
Amapá, região do rio Jari, onde instalou fábrica e outras dependências de
beneficiamento de castanha financiadas pelo Fundo Francês de Desenvolvimento e
pelo PPG-7, além de fábrica móvel que pertence ao Sebrae-AP. A empresa
Tahuamanu explora há cinco anos, com êxito, na Amazônia boliviana perto da
cidade de Cobija, uma invenção para tirar automaticamente a casca da
castanha-do-pará, criando um negócio próspero e sustentável, além de uma
importante fonte de emprego. A empresa emprega hoje quase 300 pessoas em sua
usina de beneficiamento e proporciona emprego sazonal a outras 800, que colhem
as castanhas quando amadurecem e caem das altas árvores no meio da floresta
durante a estação das chuvas.
A Política dos Barracões – O castanheiro, extrator ou catador da
castanha-do-pará não era diferente de qualquer outro trabalhador extrativista
regional. Sua sina segue a mesma linha de árduo trabalho, exploração,
sofrimento e abandono dos balateiros, seringueiros e demais extrativistas
vegetais, vítimas da “política dos barracões” e escravos do acerto de contas de
preços vis dos patrões, donos dos castanhais. O aviamento – um paneiro, um facão, um
machado, uma espingarda e munições, além de produtos alimentícios como farinha,
açúcar, sal e café, creditados com preços astronômicos , alem de alguns
trocados em dinheiro, que era geralmente gasto na cidade com superfalos e
bebedeiras, alias uma espécie de cativeiro sempre preso pelo debito que se
arrastavam anos após anos.
Um bom castanheiro conseguia
quebrar até cinco hectolitros diários, com os ouriços amontoados à espera das
tropas de burros. E, enquanto o castanheiro cortava a castanha, continuava a
queda de mais ouriços, permitindo a repetição do mesmo processo. Mas quando a
colocação era considerada vazia, ele a deixava, procurando outro local para
trabalhar. Havia castanheiro que numa safra conseguia produzir mais de duzentos
hectolitros. Era uma ótima produção, considerada excepcional.
O tropeiro transportava mais de
mil hectolitros por safra, sendo considerado como um eleito nos castanhais,
homens de confiança dos patrões e encarregados, muitas vezes com tarefas de
pressionar os castanheiros que quebrassem as regras do castanhal, uma espécie
de política.
Quanto aos sistemas de produção,
pode-se dizer que formava uma cadeia com o exportador de Belém Manaus numa das
pontas e o castanheiro formando a outra, passando pelo comprador de Marabá e o
proprietário do castanhal. Embora com manifestas imperfeições, o processo
funcionou a contento por muitos anos.
Por muitas vezes a brusca queda
do produto ou safra frustrada acarretava prejuízo na cadeia toda, com maior
dano para o proprietário do castanhal e, principalmente para o castanheiro. Hoje
em dia a indústria e a exportação da castanheira entraram em declínio. A
mão-de-obra torno difícil com o advento dos garimpos de ouro, não querendo mais
os homens trabalhar por preço aviltantes.
A outra razão do declínio, talvez
a mais importante, é que as safras diminuindo de forma alarmante, podendo-se
dizer que estão a menor de uma quarta parte do que eram no tempo do seu apogeu.
Entre as várias razões apontadas, uma é o envelhecimento dos castanhais, já que
a coleta intensiva não permite a brotação de novas castanheiras, sendo que os
poucos ouriços que saem do paneiro ou do facão são avidamente disputados pelas
cutias.
Motivos também citado para declínio da produção da castanha
é a de que as contínuas queimadas, com fumaças que ficam semanas e semanas
rentes ao solo, prejudicam a floração normal das castanheiras e também a
produção dos besouros e abelhas, que fazem a polinização das flores.Uma última
razão é o simples abate de castanheiras.
Houve época em que a
castanha-do-pará dominou a economia e as exportações da Amazônia, em especial
no Sul do Pará, Amazonas e Acre, onde, além de suprir colapso da produção da
borracha, suas safras anuais serviam de apoio à agricultura e pecuária ainda
incipientes nessas áreas, mesmo quando os especuladores aviltavam os preços.
O nome do pródigo vegetal tem
sido recentemente polemizado por interesses ou ciúmes regionais, mas prevalece
o de castanha-do-pará para todos os efeitos, porque adotado há séculos, quando
sua região produtora estendia-se por toda a então Província do Grão-Pará, hoje
diluída pelos estados da Amazônia.