segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013


Sucuri, a rainha das serpentes

Confundida com a lendária Anaconda ou, ainda, com a Cobra-Grande, Boiúna e outras entidades ofídicas da mitologia amazônica, esta cobra seria capaz de engolir uma pessoa inteira, pois exemplares com mais de seis metros de comprimento teriam condições de devorar presas do tamanho de um ser humano

 
            Dos animais da fauna amazônica, a sucuriju (Eunectes murinus), ou sucuri, é a que carrega maior simbolismo e causa mais temor entre a população regional. Ela inspira o medo que está impregnado na memória cultural de nossos ribeirinhos, originando lendas e ocasionando histórias fantásticas. Há quem a confunda com a lendária Anaconda ou, ainda, com a Cobra-Grande, Boiúna e outras entidades ofídicas da mitologia regional. Os paraenses acreditam que existe uma imensa cobra enterrada sob a cidade de Belém, cuja cabeça encontra-se embaixo da Igreja da Sé, na Cidade Velha, e o rabo sob a Basílica de Nazaré, dois mil metros distantes. A população belenense teme que a cobra desperte e se mova, causando a destruição dessa parte da capital paraense, já que também acreditam que a cidade está sobre um promontório flutuante.

Outra história dá conta que, no município de Santana, a 32 quilômetros de Macapá, capital do Amapá, existe uma víbora enorme chamada Cobra Sofia, guardiã do porto local. Dizem que ela mora no rio que passa na frente da cidade e acredita-se que um dia ela irá acordar do seu sono e nesse dia a cidade irá para o fundo do rio. A crença cabocla diz que muitos dos igarapés e furos amazônicos são formados pela passagem da Cobra-Grande que abre enormes sulcos nas restingas, igapós e até na terra firme. Há quem fale que as sucuris também são responsáveis pelas terras caídas, erosão provocada pela correnteza do rio Amazonas nas ribanceiras.

O misticismo provocado pelas serpentes ultrapassa fronteiras, sendo comum encontrar lendas, mitos, rituais e crenças que envolvem diversas espécies de ofídios. Nos Rios Solimões e Negro, a Cobra-Grande nasce do cruzamento de uma mulher com uma assombração (visagem) ou de um ovo de mutum; no Acre, a entidade mítica transforma-se numa linda moça, que aparece nas festas de São João para seduzir os rapazes desavisados. O lendário também apresenta a Cobra-Grande como uma benfeitora à navegação dos rios amazônicos, cujos olhos tornam-se grandes faróis para orientar os embarcadiços nas noites escuras e durante as tempestades. A versão contrária coloca a Cobra-Grande como entidade do mal, tal a sua voracidade e multiplicidade de transformação.

Na língua tupi-guarani, sucuri quer dizer “a que morde rápido”. Esta cobra costuma ficar na beira dos grandes rios, esperando que suas presas cheguem para beber água e assim consiga capturá-las. A cobra agarra a vítima pela cabeça e em seguida busca um ponto de apoio (raízes, galhos e troncos) em terra ou até mesmo dentro da água, onde enrola sua cauda para poder estrangular a vítima com laçadas de seu corpo. Não costuma quebrar os ossos das vítimas, como muitos pensam, para facilitar a ingestão, e sim buscam a constrição, apertando até matar por asfixia. Quando molestada, a sucuri se enrodilha, ficando com aparência de um cone, e coloca sua cabeça entre as grossas voltas de seu corpo.

A sucuri é a segunda serpente de maior comprimento no mundo, depois de sua prima que vive na África, Ásia e Austrália, a píton (Piton reticulatus). A sucuri não possui glândulas produtoras de veneno, mas em sua boca encontram-se fileiras de pequenos dentes pontiagudos que contribuem para não deixar que suas presas fujam. Apresenta colorações e marcas características que variam de indivíduo para indivíduo em áreas geográficas afastadas e de acordo com sua idade. Normalmente sua cor é parda-azeitonada, com duas séries de grandes ocelos negros (manchas arredondadas ou ovaladas), ornadas de tom levemente claro, geralmente tocando-se uma à outra ou também de forma intercalada.

Possui uma cabeça grande que difere de seu pescoço. Esta é revestida na parte posterior (de trás) por pequenos escudos irregulares e numerosas escamas pequenas a completam; seus olhos são pequenos e com pupilas verticais (característica de serpentes peçonhentas, juntamente com suas numerosas escamas). Existe muita discussão para se saber com exatidão o maior comprimento já atingido por uma sucuri. Os comprimentos normais, já registrados por muitos pesquisadores, variam entre seis a 11 metros, pesando até 400 quilos. Seu tempo de vida é muito longo. Há casos de exemplares que viveram em cativeiro durante 30 anos.

Na época reprodutiva, a fêmea exala um odor que atrai os machos para seu encontro. O acasalamento é feito após um longo período de jejum. A sucuri é uma espécie ovovivípara, isto é, os filhotes eclodem de seus ovos no interior da barriga de sua mãe e já nascem prontos para desvendar a floresta à procura de alimento. Sua ninhada é geralmente muito grande, variando de dez a 70 filhotes a cada gestação, que dura de 225 a 270 dias.

A sucuriju ou sucuri é encontrada praticamente em todo o Brasil, com distribuição em outros países, como Venezuela, Paraguai, Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador e Suriname. Habita as florestas e áreas abertas, vivendo nos grandes rios, lagos, igarapés, várzeas e alagados (igapós).

A “gigante amiga” possui hábitos estritamente aquáticos, mas também procura a terra para encontrar alimento ou para dar à luz aos filhotes. Costuma ter maior atividade durante a noite, quando sai à procura de suas presas, preferindo animais de porte pequeno. Compõem seu cardápio com peixes, anfíbios, aves paludícolas (que vivem nos charcos e lagoas), lagartos, outras serpentes (até seus próprios filhos), cágados, jacarés, pacas, cutias, capivaras, porco do mato, filhotes de anta, veados, bezerros, macacos, felinos (há casos de lutas com onças e suçuaranas), etc. Pode ficar em jejum durante meses. Porém quando se alimenta, passa dias, semanas e até alguns meses imóveis, digerindo o que capturou. Existiu um exemplar mantido em cativeiro no Museu Emílio Goeldi (Pará), que permaneceu por 19 meses sem ter emagrecido.

A sucuri não se alimenta de bovinos adultos, como muitos acreditam, pois ela não suportaria engolir um animal de grande porte, mas como outras serpentes, é capaz de desarticular os ossos de sua mandíbula para que possa engolir presas maiores que a abertura de sua boca. Para facilitar a ingestão do alimento, ela produz muita salivação que umedece todo o corpo da presa, facilitando sua ingestão. A caça, depois de envolvida pela enorme força de constrição da sucuri, fica com seu corpo mais longo, fino e deformado.

A cobra seria capaz de engolir uma pessoa, pois exemplares com mais de seis metros de comprimento teriam boas condições de engolir presas do tamanho de um ser humano. Os casos são raríssimos, além do que as pessoas não fazem parte de seu cardápio preferencial.

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