quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013


A triste sina dos nossos castanhais

 

 

APOCALIPSE NOW

                    (Apolonildo Britto)

 

Canta moto-serra um réquiem fatal!

Cai ferida de morte

A castanheira amiga.

Ouve-se no espaço o estrondo infernal.

É a mata que ruge,

É o lenho que queima

É a vida que arde

No afã do progresso!

É o espanto geral

Da natureza que agoniza.

Correm os bichos espavoridos,

Desmaiam os vegetais diante da fornalha

E até mesmo o homem que semeia o ódio,

Treme. Treme diante da sanha da mortalha.

E as castanheiras, tão nobres criaturas,

Vão sumindo devagar, devagarzinho:

Uma a uma como pétalas de rosa

Que o vento desfaz, perfumando o ar.

Do velório da Amazônia devastada e vazia,

Vazia de vida, vazia de amor...

 

A castanheira (árvore da família das Lecythidáceas) é uma das mais nobres e generosas das árvores da Amazônia. Seu belo porte, seu talhe esbelto, sua frondosa copa verdejante e seu delicioso fruto dão-lhe qualidades excepcionais, além de ser uma das maiores árvores da América do Sul, chegando a 50 metros de altura. A maioria das castanheiras pode chegar até à idade estimada entre 800 e 1.200 anos, produzindo ouriço (fruto) com aproximadamente um quilo, que pode conter até 24 sementes ou amêndoas também conhecidas como castanha-do-brasil, castanha-da-amazônia, castanha-do-maranhão, castanha-do-rio-negro, tocari, tururi, cari, juviá ou amendoeira-da-américa.

Essa espécie vegetal foi descrita pela primeira vez pelos cientistas Humboldt e Bompland, com 11 gêneros e 118 espécies. O naturalista Meiers identificou mais tarde duas de suas espécies na Amazônia: a Excelsa e Nobilis. Seu fruto é muito rico em gorduras e proteínas, considerada verdadeira “carne vegetal”, uma vez que a proteína de duas amêndoas equivale à de um ovo de galinha, além de prevenir cardiomiopatia e melhorar o sistema imunológico e possuir o selênio, mineral anticancerígeno e antioxidante. Além de selênio, a amêndoa possui cálcio, fósforo, magnésio, potássio, cobre e vitaminas A, B1, B2 e C, além de proteínas.

Conhecida internacionalmente como Brasil Nuts, por ser praticamente exclusiva do Brasil, em que pese a sua ocorrência na Bolívia e Peru, a castanha-do-pará tem ouriço de casca lenhosa, muito dura, contendo amêndoas graúdas envoltas por casca lenhosa fina, pouco resistente. O fruto é esférico, de 11cm a 14cm de diâmetro, com peso variável entre 700g e 1500g. É comestível, muito saborosa e de elevado valor alimentício.

A castanha-do-pará é muito usada para a confecção de confeitos, recheios, coberturas de bolos, além de doces diversos, óleo, farinha e outros semiprodutos. Quando fresca, fornece o leite para preparação de vários pratos típicos da cozinha amazônica, apreciada no mundo inteiro. As castanhas sem casca são obtidas quebrando-a manualmente e podem ser vendidas com ou sem película. Devido ao formato irregular, cerca de 10% dela se perdem, reduzindo em 40% o seu valor comercial, bem como parte da produção na forma de subprodutos, alternativa do aproveitamento desta matéria-prima de alto valor agro-industrial.

A floração da castanha-do-pará ocorre de dezembro a março, coincidindo com o período de maior índice pluviométrico das regiões extrativistas. A frutificação acontece o ano todo, mas é entre janeiro e março que ocorre a maior disseminação dos frutos, quando se intensifica a coleta ou safra finda em junho.

A espécie é considerada caducifólia, pois apresenta queda total das folhas. Estudos atestam que a floração acontece em mais da metade dos indivíduos da população, registrando alternância entre os anos com 80% dos indivíduos florescendo e frutificando, sendo que, desde 1992 há queda acentuada na produção dos frutos. Existe quem diga até que a castanha-do-pará corre risco de desaparecer, fenômeno não muito aceito pela maioria das instituições e cientistas que pesquisam o vegetal.

Pródiga em todos os sentidos, da castanha-do-pará tudo se aproveita: o ouriço serve como combustível ou para confecção de objetos, inclusive artesanal, mas o seu maior valor está na amêndoa, rico alimento em proteínas, lipídios e vitaminas, podendo ser consumida in natura ou beneficiada ou então usada para extração de óleos diversos; do resíduo da extração do óleo obtém-se torta ou farelo usado como mistura em farinhas ou rações; o leite de castanha é de grande valor na culinária regional. A castanha também possui boas propriedades industriais. É usada no fabrico de sabão e sabonete. A madeira é indicada para construção civil interna leve, tábuas para assoalhos e paredes, painéis decorativos, forros, fabricação de compensados e embalagens. Ainda serve na construção naval e é indicada para reflorestamento.

As amêndoas com casca podem ser vendidas desidratadas ou semidesidratadas ou ainda a granel. O consumo do produto é feito de forma in natura ou através de derivados como biscoitos, farinha, paçoca, óleos, doces, leite-de-castanha ou sorvete.

 A castanha-do-pará, que o brasileiro consome com mais freqüência nas festas de fim-de-ano, é recomendada pelos oncologistas que estudam a incidência do câncer em fumantes. Foi citada favoravelmente em trabalhos divulgados pela Associação Americana para Pesquisa sobre o Câncer (AACR), com medição da presença de selênio em mais de 120 mil homens e mulheres holandeses, incluindo 431 com câncer de bexiga.

O Laboratório de Nutrição-Mineral da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP constatou que a castanha-do-pará é um eficiente suplemento alimentar capaz de suprir a necessidade diária de selênio, mineral que evita a propagação do câncer e diminui sua incidência, prevenindo cardiomiopatias e melhorando o sistema imunológico. O selênio também atua no equilíbrio do hormônio ativo da tireóide, reduz a toxidade de metais pesados e age como antioxidante, protegendo o organismo contra os danos provocados pelos radicais livres.

A pesquisadora Silvia Cozzolino também recomenda que sejam ingeridos alimentos com maior concentração de selênio, como alimentos marinhos — peixes, moluscos, alimentos de origem animal — carnes e aves, e alguns cereais (o trigo) e, principalmente as nozes, em especial as castanhas-do-pará.

Histórico – O nome do pródigo vegetal tem sido recentemente polemizado por interesses ou ciúmes regionais, mas prevalece o de castanha-do-pará, adotado há séculos, quando a sua produção estendia-se por toda a então Província do Grão-Pará, hoje diluída pelos estados da Amazônia. As enciclopédias também grafam o produto como castanha-do-pará.

Houve época em que as lecitidáceas dominaram a economia e as exportações da Amazônia, em especial do Pará, Amazonas e Acre, onde, além de amenizar o colapso da produção da borracha, as safras anuais serviam de apoio à agricultura e pecuária ainda incipientes, mesmo quando os especuladores aviltavam os preços, vendiam mercadorias por valores exorbitantes e ainda enganavam os castanheiros na medida do produto. Em Marabá, por exemplo, há versões que havia três tipos de hectolitro (unidade de medida da castanha): o de comprar (maior), o de vender (evidentemente menor) e o de ser aferido pela fiscalização (o único metricamente correto).  

Sua importância econômica foi tamanha que gerou verdadeiros “barões da castanha”, como o poderoso coronel José Júlio de Andrade que se tornou senador vitalício pelo Pará, na antiga República, e amealhou milhões de hectares de terras na região dos rios Jari e Paru e foz do Xingu. Zé Júlio era senhor da vida e da morte nestas terras paraenses e ficou famoso pela prática da famigerada “política dos barracões”. Ele também é lembrado pelo temível “Paga Promessa”, local que serviu de túmulo a centenas de pobres trabalhadores na fazenda Arumanduba, sede do seu império na foz do rio Jari, próximo à cidade de Almeirim (PA).

Mais recentemente, a família Mutran dominou os castanhais do Município de Marabá, no sul do Pará, o mesmo acontecendo com outras oligarquias dos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e oeste do Pará. Durante décadas, concessões de vastas áreas de terras devolutas de castanhais serviram de barganha política na Amazônia, mantendo o status quo e gerando os conhecidos “coronéis de barranco” que se mantiveram no poder até há bem pouco tempo, quando a produção decaiu com a chegada dos tratores e moto-serras à região, além de outros fatores de ordem econômica. 

Na verdade, o extrativismo da castanha conseguiu sobreviver a vários ciclos econômicos, inclusive ao da borracha, gerando latifúndios, fortunas e poder a poucos privilegiados que usufruíram deste então promissor mercado em detrimento de gerações de castanheiros sempre miseráveis e sofridos. Nos primórdios, depois de contratados e “aviados”, os castanheiros eram levados ao longo dos rios e igarapés da floresta amazônica, onde ficavam de dois a três homens, conforme a densidade do castanhal. Construíam o seu tapiri e se embrenhavam mata adentro com seus parceiros, para a coleta do fruto, até que chegavam, em prazo combinado, quando uma ou mais embarcações vinham para a coleta da castanha cortada e desciam o rio com o produto, empurradas por varas, forquilhas e ganchos até aos portos de embarques.

Com o tempo e o desenvolvimento da indústria da castanha, a demanda aumentou, multiplicando-se o número de homens na sua coleta, os quais foram penetrando nas matas até a um ponto em que se tornou impossível o transporte nas costas dos castanheiros. Daí apareceu o transporte em tropas de burros, o que permitiu a ampliação da produção com menor esforço do castanheiro. Mesmo assim, sua vida não mudou, posto que sempre ficar preso à política dos barracões.

Contudo, os projetos agropecuários e madeireiros no Acre, Pará e Rondônia foram devastadores para os imensos castanhais da região. A principal razão do declínio da produção da castanha-do-pará é a queimada, pois a fumaça que permanece durante semanas rente ao solo prejudica a floração normal das castanheiras e também a produção dos besouros e abelhas que fazem a polinização das flores. Uma última razão é o simples envelhecimento ou o abate de castanheiras. Para se ter uma idéia dos abates, no outrora chamado Polígono dos Castanhais, no sul do Pará, hoje a paisagem é de pastagem e tomada por colonos e fazendeiros que disseminaram queimadas e desmatamentos sem precedentes, transformando-o em “cemitério de castanheiras”.

Apesar do seu declínio, a castanha ainda ocupa lugar de destaque na pauta das exportações de produtos da floresta amazônica, mas isto não esconde o fato de que a produção cai a cada ano e dá agora a primazia da exportação mundial do produto à Bolívia.

 

Políticas Sustentáveis

 

A revista científica Science inclui outras ameaças à castanha-do-pará, como a coleta excessiva nas florestas, que geram poucas novas árvores e comprometem o futuro da espécie. A revista estudou 23 grupos de castanheiras na floresta amazônica, no Brasil, Bolívia e Peru, onde existem poucas árvores jovens, o que sugere que o ciclo de renovação da espécie foi interrompido pela exploração intensiva dos castanhais, mas recomenda o uso do manejo sustentável para evitar o colapso a longo prazo.

A publicação diz ainda que as plantas originárias de viveiros ou sementes germinadas a partir do processo natural de dispersão, demorariam várias décadas até que pudessem substituir árvores que hoje são velhas e que caracterizam os castanhais persistentes explorados. Mas ressalva que pesquisas do melhoramento genético e germinação, que estão à procura de variedades mais precoces e técnicas mais aprimoradas de manejo e cultivo desta espécie, podem apresentar alternativas.

O pesquisador e fotógrafo David Mangurian diz que uma das formas de preservar as florestas tropicais é colocar no mercado os produtos que são naturais delas, gerando assim renda e empregos para os moradores locais e reduzindo o incentivo para cortar árvores. Nesta direção, discute-se ainda o manejo sustentável da produção da castanha, através de cooperativas e associações extrativistas nas regiões produtoras.

A agregação de valor a esse fruto e sua utilização sem a devastação da floresta têm sido tema e sonho de todo brasileiro que realmente se importa com o maior patrimônio: a Amazônia. Desde 1965, durante na sua primeira gestão como governador do Amapá, o hoje senador João Alberto Capiberibe defende o equilíbrio entre produção e preservação, tendo como eixo principal o desenvolvimento de atividades econômicas florestais madeireiras e não-madeireiras a partir de organização de cooperativas de castanheiros, para industrializar e transformar a castanha em óleos, farinhas e biscoitos.

Quando governador, Capiberibe criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no oeste do Amapá, região do rio Jari, onde instalou fábrica e outras dependências de beneficiamento de castanha financiadas pelo Fundo Francês de Desenvolvimento e pelo PPG-7, além de fábrica móvel que pertence ao Sebrae-AP. A empresa Tahuamanu explora há cinco anos, com êxito, na Amazônia boliviana perto da cidade de Cobija, uma invenção para tirar automaticamente a casca da castanha-do-pará, criando um negócio próspero e sustentável, além de uma importante fonte de emprego. A empresa emprega hoje quase 300 pessoas em sua usina de beneficiamento e proporciona emprego sazonal a outras 800, que colhem as castanhas quando amadurecem e caem das altas árvores no meio da floresta durante a estação das chuvas.

 

A Política dos Barracões – O castanheiro, extrator ou catador da castanha-do-pará não era diferente de qualquer outro trabalhador extrativista regional. Sua sina segue a mesma linha de árduo trabalho, exploração, sofrimento e abandono dos balateiros, seringueiros e demais extrativistas vegetais, vítimas da “política dos barracões” e escravos do acerto de contas de preços vis dos patrões, donos dos castanhais.  O aviamento – um paneiro, um facão, um machado, uma espingarda e munições, além de produtos alimentícios como farinha, açúcar, sal e café, creditados com preços astronômicos , alem de alguns trocados em dinheiro, que era geralmente gasto na cidade com superfalos e bebedeiras, alias uma espécie de cativeiro sempre preso pelo debito que se arrastavam anos após anos.

Um bom castanheiro conseguia quebrar até cinco hectolitros diários, com os ouriços amontoados à espera das tropas de burros. E, enquanto o castanheiro cortava a castanha, continuava a queda de mais ouriços, permitindo a repetição do mesmo processo. Mas quando a colocação era considerada vazia, ele a deixava, procurando outro local para trabalhar. Havia castanheiro que numa safra conseguia produzir mais de duzentos hectolitros. Era uma ótima produção, considerada excepcional.

O tropeiro transportava mais de mil hectolitros por safra, sendo considerado como um eleito nos castanhais, homens de confiança dos patrões e encarregados, muitas vezes com tarefas de pressionar os castanheiros que quebrassem as regras do castanhal, uma espécie de política.

Quanto aos sistemas de produção, pode-se dizer que formava uma cadeia com o exportador de Belém Manaus numa das pontas e o castanheiro formando a outra, passando pelo comprador de Marabá e o proprietário do castanhal. Embora com manifestas imperfeições, o processo funcionou a contento por muitos anos.

Por muitas vezes a brusca queda do produto ou safra frustrada acarretava prejuízo na cadeia toda, com maior dano para o proprietário do castanhal e, principalmente para o castanheiro. Hoje em dia a indústria e a exportação da castanheira entraram em declínio. A mão-de-obra torno difícil com o advento dos garimpos de ouro, não querendo mais os homens trabalhar por preço aviltantes.

A outra razão do declínio, talvez a mais importante, é que as safras diminuindo de forma alarmante, podendo-se dizer que estão a menor de uma quarta parte do que eram no tempo do seu apogeu. Entre as várias razões apontadas, uma é o envelhecimento dos castanhais, já que a coleta intensiva não permite a brotação de novas castanheiras, sendo que os poucos ouriços que saem do paneiro ou do facão são avidamente disputados pelas cutias.

Motivos também citado para declínio da produção da castanha é a de que as contínuas queimadas, com fumaças que ficam semanas e semanas rentes ao solo, prejudicam a floração normal das castanheiras e também a produção dos besouros e abelhas, que fazem a polinização das flores.Uma última razão é o simples abate de castanheiras.

Houve época em que a castanha-do-pará dominou a economia e as exportações da Amazônia, em especial no Sul do Pará, Amazonas e Acre, onde, além de suprir colapso da produção da borracha, suas safras anuais serviam de apoio à agricultura e pecuária ainda incipientes nessas áreas, mesmo quando os especuladores aviltavam os preços.

O nome do pródigo vegetal tem sido recentemente polemizado por interesses ou ciúmes regionais, mas prevalece o de castanha-do-pará para todos os efeitos, porque adotado há séculos, quando sua região produtora estendia-se por toda a então Província do Grão-Pará, hoje diluída pelos estados da Amazônia.

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