segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013



Antonio Lemos, o reinventor de Belém do Pará

Principal responsável pela urbanização e embelezamento da cidade de Belém do Pará, ele inseriu a capital paraense no contexto das grandes metrópoles brasileiras, buscando inspiração na França, que então passava por profundas reformas empreendidas pelo urbanista Haussmann

 

A Amazônia foi conquistada, desbravada e está sendo desenvolvida por pessoas que tiveram audácia de superar suas próprias limitações e vencer as dificuldades e o isolamento regionais. O desconhecimento e estigma negativos criados em torno da região, considerada um “Inferno Verde”, a terra das terçãs malignas, das malárias fatais, caçadores de cabeça e outras mazelas alardeadas pela literatura ficcionista e científica criaram barreiras que só foram superadas pela coragem dos poucos que se destacaram na historia, como Pedro Teixeira, Padre Bettendorf, Cônego Batista Campos, Antonio, Manuel e Francisco Vinagre, Eduardo Angelim, Luiz Galvez, Plácido de Casto, Francisco da Veiga Cabral (Cabralzinho), Eduardo Ribeiro e tantos outros.

Antônio José Lemos também faz parte desta plêiade de homens e mulheres que tiveram a grandeza de acreditar na região e dela fazer ideal de vida. Ele foi o principal responsável pela urbanização e embelezamento que inseriu da cidade de Belém do Pará no contexto das grandes metrópoles brasileiras. Líder do antigo Partido Republicano no Pará, Antonio Lemos foi eleito para a intendência da capital do Estado em 1897, administrando a cidade por quase 14 anos, até 1910, chefiando uma das grandes correntes políticas paraenses durante décadas, o “lemismo”, rival do “laurismo” liderado por outro republicano histórico, Lauro Sodré.

Nascido no Maranhão dia 17 de dezembro de 1843, Antônio José de Lemos faleceu a 2 de outubro de 1913, com quase 70 anos, no Rio de Janeiro. Era filho de Antônio José de Lemos e de Olívia de Sousa Lemos, casado com Inês Maria de Lemos e pai de cinco filhos: Antônio Pindobussu de Lemos, Maria Guajarina de Lemos, Olívia de Lemos Lalor, Cecília Ierecê de Lemos e de Manuel Tibiriçá de Lemos, além de tio e sogro de Artur de Sousa Lemos, deputado e senador pelo Pará.

Antonio Lemos chegou a Belém como taifeiro da Marinha e, como gostava de ler e sabia escrever bem, passou a trabalhar na redação do jornal A Província do Pará, inicialmente como revisor, fazendo carreira na imprensa e conquistando a confiança e a amizade da direção. Com a morte do proprietário, Dr. Assis, Antônio Lemos, que ocupava o cargo de redator-chefe, comprou o periódico por um valor simbólico e o transformou no terceiro jornal do Brasil, adquirindo modernos equipamentos de impressão, na Inglaterra, e instalando-o em imponente prédio, que atualmente abriga o Instituto de Educação do Pará.

Como bom republicano, Lemos encarnou as ideais da época, que clamavam por higiene e modernidade para as cidades do mundo, deixando assim sua indiscutível marca na história paraense, que se concretizou graças à fase áurea da borracha, que lhe deu condições técnicas e financeiras para o embelezamento da cidade, com os recursos auferidos pela exportação do látex. Ele desenvolveu um plano para Belém com um grupo de arquitetos, organizando o espaço urbano e definindo objetivos que culminaram com a planta da cidade de 1905, projetando avenidas, ruas e bairros inteiros, onde só havia florestas e áreas alagadas. Assim, surgiu a cidade dividida em bairros comerciais, residenciais, industriais e de serviços. Belém era considerada, então, o maior centro comercial da região amazônica.

Antonio Lemos foi buscar inspiração na França, como centro emissor da cultura mundial, para os planos de modernização de Belém, pois Paris passara por profundas reformas empreendidas pelo urbanista Haussmann, ajudado por um grupo de colaboradores altamente qualificado e competente. O urbanismo de Haussmann caracterizou-se pela criação de uma vasta rede de grandes artérias cortando a cidade indistintamente por bairros centrais e zonas periféricas, adotando, paralelamente, um ativo serviço público, com eficiente sistema viário, rede de esgoto, distribuição de água e gás, mercados cobertos, feiras, estações, hospitais, espaços verdes, entre outros.

Para por em prática tal padrão de urbanista em Belém, Antônio Lemos contou com o apoio de competentes engenheiros e arquitetos (Nina Ribeiro, Francisco Bolonha, Palma Muniz, Filinto Santoro, João Coelho, José Sidrim, Lúcio Freitas do Amaral, Frederico Martin, Domingos Acatauaçu Nunes e Miguel Ribeiro Lisboa), alguns pós-graduados na Europa. Inspirada na planta de Nina Ribeiro, de 1886, a equipe de Lemos desenvolveu um projeto para Belém, organizando o espaço urbano, cuja definição aconteceu na planta de 1905, desenhada por José Sidrim, que projetou avenidas, ruas e bairros inteiros onde só havia matas e alagados, inalterada até os dias de hoje no que concerne a 1ª Légua Patrimonial da cidade.

O resultado do da vontade política e do gosto apurado do então intendente foi a modernização de Belém, desenvolvendo a cidade para torna-la atraente, dividida em bairros comerciais, residenciais, industriais e de serviços, a ponto de torná-la o maior empório comercial da Amazônia.

Segundo o professor Célio Lobato (Ufpa), “os calçamentos de madeira foram substituídos pelo granito. Foram construídos o mercado de ferro, o quartel dos bombeiros, o asilo de mendicidade e o necrotério público. Foi iniciada a rede de esgotos, os largos foram transformados em praças ajardinadas, ruas largas, com 30 e 40 metros, foram abertas no bairro do Marco e promoveu-se o melhoramento do perímetro urbano. A iluminação pública passou a ser elétrica e a viação por tração animal foi substituída por bondes elétricos. Suntuosos prédios, esplêndidas moradias e belas avenidas refletiam a febre de progresso da capital”.

O professor afirma que “Lemos conduziu Belém à modernidade, definida pela República, como nenhuma outra cidade brasileira até então havia experimentado, pois somente depois é que Pereira Passos faria a grande reforma no Rio de Janeiro”.

Tal assertiva é confirmada pelo depoimento insuspeito do escritor Euclides da Cunha, que descreve o cenário que encontrou na passagem por Belém em 1904, dizendo que nunca esqueceria a surpresa que Belém lhe causou.

“Nunca São Paulo e Rio de Janeiro terão as suas avenidas monumentais, largas de 40 metros e sombreadas de filas sucessivas de árvores enormes. Não se imagina no resto do Brasil o que é a cidade de Belém, com os seus edifícios desmesurados, as suas praças incomparáveis e com a sua gente de hábitos europeus, cavalheira e generosa”, e enfatiza com a seguinte frase: “Foi a maior surpresa de toda a viagem”.

O depoimento de Célio Lobato complementa afirmando que, além de atual, o plano de Lemos antecipa-se no tem, pois incorpora as intervenções urbanísticas projetadas para o decorrer do século 20, com verticalização de prédios e a inclusão dos veículos automotores no trânsito. “O sistema viário construído por Lemos serve, até hoje, como via de circulação diária para mais de 200 mil veículos”, arremata o professor.

Antonio Lemos foi mais além, criou um Código de Postura detalhista e autoritário, sob influência do urbanismo de Haussmann, impondo normas para a construção de novos prédios. O Código também era e excludente, pois afastava radicalmente a população pobre da área central, que agrupava as classes sociais no mesmo espaço, para a periferia da cidade, legislando sobre a propriedade privada. A lei que proibia a construção de barracos na Avenida Tito Franco, atual Almirante Barroso, também exigia que os novos prédios se mantivessem afastados em si, pelo menos dois metros, para a circulação de ar, e que nenhuma construção poderia receber o vigamento a menos de um metro de altura sobre o nível do solo. As barracas que teimassem em permanecer na área eram removidas sumariamente pela Intendência.

Ressalta Célio Lobato, que o Código de Postura de Lemos induziu à formação de um espaço da burguesia numa enorme parte da cidade. Segundo o professor, “na Avenida Nazaré, reservada aos ricos, as casas cobertas de telhas, que jogavam água na calçada, tiveram que construir platibandas na fachada para esconder o telhado. As janelas tiverem que ser enquadradas segundo uma determinada dimensão para facilitar a ventilação e a insolação, de acordo com a saúde pública. Por toda a cidade, os moradores foram obrigados a construir fossas e proibidos de jogar nas ruas as águas fecais, um costume de então”.

Na sua administração, foram construídos o Mercado de Ferro, o quartel dos Bombeiros, o asilo de mendicidade e o necrotério público. Foi iniciada a rede de esgotos; os largos foram transformados em praças ajardinadas; ruas largas, com 30 e 40 metros, foram abertas. A iluminação pública passou a ser elétrica, e a viação por tração animal foi substituída por bondes elétricos. Suntuosos prédios, esplêndidas moradias e belas avenidas refletiam o progresso da capital.

A economia da borracha que determinou profundas alterações na economia regional, também mudou a composição da elite dominante e a estrutura social belenense, fazendo surgir uma nova classe de homens políticos e burocratas, além de comerciantes, basicamente portugueses, e profissionais liberais geralmente de famílias ricas e oriundas das universidades européias. O aparecimento dessa nova elite dominante e exigente também contribuiu para as mudanças no ponto de vista urbanístico que teve o seu ápice na administração do Intendente Municipal Antônio Lemos, que quis fazer de Belém a “Paris no Trópico”, com evidente europeísmo da belle-époque.

Sobre o assunto, vale destacar a palestra exposta pelo bacharel em Direito Armando Dias Mendes, comentada pelo economista Maurício de Moraes Penalva Santos e pela filósofa Maria do Carmo Tavares de Miranda, que faz entender que antes de Lemos, Estado do Pará já tinha esse compromisso com o grandioso na arquitetura oficial e das mansões dos grandes senhores da época. O Teatro de Nossa Senhora da Paz – atual Teatro da Paz, inaugurado em 1878 (e seu rival, o Teatro Amazonas, inaugurado em 1896) são exemplos disto.

Os estabelecimentos como o Instituto Gentil Bittencourt, o Instituto Lauro Sodré, o Orfanato Antonio Lemos e, mesmo, o Mercado de São Braz - este último supostamente copiado do Palácio Real de Bruxelas, reforçam a influencia européia nos gosto da época, bem como as construções metálicas do até agora chamado Mercado de Ferro (ou de Peixe). As grandes caixas d'águas, “três imensos panelões nunca enchidos, e alguns solares de ferro, concebidos, projetados, fabricados peça por peça na França, transportados para Belém e ali finalmente montados, são outros tantos exemplos dessa dependência cultural. A maioria desses monumentos desapareceu, ou está prestes a sumir ou serem substituídos por espigões ou buracos à espera de mais espigões.

Um engenheiro, de ascendência italiana, construiu sua própria faustosa casa, que tomou o seu nome o Palacete Bolonha, e uma vila de casas, todas do melhor estilo florentino - exemplares magníficos do fausto renascentista transposto para uma ecologia natural e social totalmente diversa e adversa. Duas companhias inglesas, por sua vez, a Port Of Pará e a Booth Line, fizeram construir seus prédios em estilo que talvez se possa chamar, com alguma boa vontade, de vitoriano decadente.

A mesma preocupação arquitetônica pelo fausto refletia-se, inclusive, nos edifícios de estabelecimentos comerciais, eles próprios europeísticamente denominados: “Au Bon Marche”, “Aux 100.000 paletos” (alfaiataria, evidentemente), “Maison Française”, “Paris n'América”, “A Bota Inglesa” e assim por diante, cujos prédios que agora estão nas mãos da terceira ou quarta geração de proprietários.

O mesmo traço cultural, mas sob a forma de plantas arquitetônicas diretamente copiadas dos prédios que enchem os boulevards parisienses, apareceu nas construções de estabelecimentos de serviços, como a Rotisserie Suisse e Palace Theatre anexo, o Grand Hotel com seu terrace famoso ao jeito dos Champs Elisées, o Café Chic, a Pensão Suissa e tantos outros - tudo já arrasado em nome do progresso. 

A preocupação, principalmente de inspiração gaulesa, chegaria à pretensão de denominar algumas avenidas de “Boulevards” – dois, pelo menos, mantêm os nomes até hoje, o Boulevard Castilhos França, junto ao porto de Belém, e o Boulevard Dr. Freitas.

 

Um comentário:

  1. Muito bom, seu blog fala dos principais temas de nossa Belém, e a Amazônia. Gostei muito.

    ResponderExcluir